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Afastamento da cláusula compromissória arbitral pela hipossuficiência da parte em contrato de franquia

Afastamento da cláusula compromissória arbitral pela hipossuficiência da parte em contrato de franquia

Publicado em 16 . February . 2023 . Insights
Autores . Beatriz Torres
Áreas Relacionadas . Empresarial

A utilização da arbitragem como meio de solução de conflitos em contratos de média/ampla complexidade não é novidade no meio jurídico. Contudo, por ser um método que afasta a competência do Poder Judiciário, existem requisitos estipulados pelo próprio legislador para garantir que a instituição da cláusula compromissória arbitral seja, de fato, uma vontade das partes nos contratos de adesão. Neste sentido, foram incluídos os parágrafos 1º e 2º do artigo 4º, na Lei nº 9.307/96.

O referido contrato, que teve sua origem na jurisprudência francesa, se dá por meio da formação de um negócio jurídico sucedido pela aplicação de cláusulas previamente estabelecidas, sem muito ou quase nenhum espaço para modificações.

Assim, respeitando a cláusula arbitral prevista contratualmente (princípios da pacta sunt servanda e da kompetenz-kompetenz), o Poder Judiciário não teria competência para julgar a lide, exceto em casos que, prima facie, seja possível identificar vícios a um dos requisitos de existência, validade e eficácia ou a um dos parágrafos do artigo 4º da Lei nº 9.307/96 (ser estipulada por escrito, no próprio contrato em negrito ou em documento apartado, e ser de iniciativa da parte aderente do contrato de adesão ou concordar expressamente com assinatura ou visto especialmente nessa cláusula), conforme entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça.

Entretanto, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sob a relatoria do Desembargador Cesar Ciampolini, ao julgar o recurso de apelação nº 1006072-45.2021.8.26.0100 firmou precedente relevante e diverso do até então aplicado.

O caso analisando pelo Tribunal Paulista teve por objeto a discussão da aplicação da cláusula compromissória arbitral inserida em contrato de franquia. De acordo com a fundamentação apresentada pelo Franqueado e seu Sócio administrador, haveria abuso de dependência econômica praticado pela Franqueada, o que gerou um desequilíbrio.

Em primeiro grau, o Juízo da 1ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem do Foro Central seguiu o entendimento do STJ, reconhecendo a validade da cláusula e julgando extinto o feito sem a resolução do mérito com fundamento no artigo 485, inciso VII, do CPC, com base no princípio da kompetenz-kompetenz.

O Franqueado e seu Sócio Administrador, no entanto, interpuseram recurso de apelação com fundamento no desequilíbrio contratual enfrentado, razão pela qual se tornaram hipossuficientes. Neste sentido, ao utilizarem-se da análise econômica do direito como método interpretativo, pugnaram pelo afastamento da cláusula compromissória arbitral de forma a coibir que seja utilizada com o fim de impedir o acesso à justiça.

No acórdão publicado em 27.01.2023 que deu procedência ao recurso, o Desembargador Cesar Ciampolini afirma que apesar da ciência expressa do Franqueado quanto ao compromisso arbitral, “havendo hipossuficiência, reconhecida pela isenção ora concedida às custas processuais, fato é que os franqueados não poderão suportar as despesas de uma arbitragem”.

Por certo, em que pese a existência do princípio da competência-competência e a valorização da vontade das partes expressamente manifesta no contrato de adesão, o Poder Judiciário assumiu postura ativa, a luz da proteção da hipossuficiência na relação contratual.

Assim, o precedente abre nova discussão sobre o tema e traz reflexões sobre a validade da cláusula compromissória em contratos de adesão. Tem-se um novo cenário, no qual a simples previsão, mesmo que observando os parágrafos do artigo 4º da Lei nº 9.307/96, acima citados, não garante por si só o afastamento da competência do Poder Judiciário, que poderá prevalecer para preservar a parte hipossuficiente.

 

Beatriz Torres
Advogado do departamento de Societário, M&A e Empresarial da BCVL – Braz, Coelho, Campos, Véras, Lessa e Bueno Advogados.
Membro do Comitê de Jovens Arbitralistas do CBMA.