A modulação de efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) em matéria tributária tem protagonizado debates não só por tributaristas, mas também por empresários e outros setores da sociedade, em virtude da relevância econômica desses precedentes. Embora seja um instrumento importante para garantir a segurança jurídica e a estabilidade das relações fiscais, a recorrente utilização do instituto da modulação pela Suprema Corte vem recebendo críticas da comunidade jurídica.
O artigo 27 da Lei nº 9.868/99 prevê a possibilidade de o STF modificar a eficácia das decisões que declaram a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, estabelecendo que a decisão surtirá efeitos a partir do seu trânsito em julgado ou em momento a ser determinado, através de votação que alcance o quórum de dois terços dos seus membros, desde que haja fundamentos concernentes à segurança jurídica ou ao excepcional interesse social.
A excepcionalidade estabelecida pela referida norma tem levantado questionamentos, especialmente devido à sua aplicação recorrente em casos que tratam de matéria tributária, sob o fundamento de evitar abruptos prejuízos à arrecadação dos cofres públicos, concedendo um período para que o Estado organize suas finanças.
Por exemplo, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 714.139/SC (Tema nº 745 de Repercussão Geral), a Suprema Corte consolidou o entendimento de que as alíquotas relativas ao ICMS incidente sobre operações com energia elétrica não podem ser superiores àquela prevista para as operações em geral, haja vista se tratar de item essencial para qualquer contribuinte. Todavia, o STF modulou os efeitos da decisão para o exercício financeiro de 2024, com exceção das ações judiciais ajuizadas até o início do julgamento do mérito do recurso, a fim de não prejudicar o planejamento orçamentário dos Estados.
Ao colocar arrecadação dos Estados em primeiro plano, a Suprema Corte deixou de considerar os impactos econômicos para os contribuintes resultantes da aplicação frequente da modulação de efeitos, como na concorrência entre empresas, uma vez que a decisão aplicada retroativamente a apenas alguns contribuintes é capaz de gerar uma situação desigual e prejudicial ao ambiente de negócios.
No âmbito do precedente mencionado, não foram avaliados os possíveis efeitos econômicos que o adiamento da eficácia da decisão poderia ter sobre as empresas nacionais, em virtude da diferença de tratamento entre as pessoas jurídicas que ajuizaram ações dentro do prazo estabelecido, em detrimento daquelas que não o fizeram.
Outrossim, quando uma decisão é modulada com o intuito de preservar a arrecadação estatal, possibilita-se uma vantagem para o governo em relação aos contribuintes, assim como atribui-se aos órgãos judiciários uma função atípica de protetor dos cofres públicos.
Por fim, a utilização frequente da modulação de efeitos pode criar um incentivo para a edição de normas tributárias inconstitucionais, visto que os valores indevidamente arrecadados não serão restituídos a todos os contribuintes que, de boa-fé, cumpriram suas obrigações tributárias.
Diante dessas críticas, mostra-se fundamental repensar a utilização da modulação de efeitos das decisões do STF em matéria tributária. É necessário estabelecer critérios objetivos e transparentes para sua aplicação, garantindo a imparcialidade e a segurança jurídica. No mais, deve-se buscar um equilíbrio entre os interesses do Estado e dos contribuintes, evitando que a modulação de efeitos seja utilizada como instrumento de proteção fiscal em detrimento dos direitos individuais.
Tamires Lavor
Legal Intern do departamento de Tributário da BCVL – Braz, Coelho, Campos, Véras, Lessa e Bueno Advogados.