A arbitragem é um método de resolução de conflitos que vem se consolidando no Brasil, sobretudo a partir da década de 1990. Por meio dela, as partes dispõem da liberdade de eleger árbitros imparciais e independentes para a solução de controvérsias. Sendo assim, o método arbitral, em sua essência, caracteriza-se por processos mais céleres, técnicos e autônomos.
A Lei 9.307/1996 foi responsável por regulamentar a arbitragem nacionalmente. Essa legislação estabeleceu diretrizes para a nomeação de árbitros, procedimentos arbitrais e reconhecimento de sentenças arbitrais, sendo um marco fundamental para a segurança jurídica e fortalecimento do sistema no país.
A cultura jurídica brasileira, no entanto, é marcada por particularidades decorrentes de suas referências. Tal arcabouço histórico-jurídico influencia sobremaneira a forma como a arbitragem é assimilada no território brasileiro. A estrutura jurídica civil law adotada pelo Brasil, bem como uma cultura de litígio, são apenas alguns pontos de influência. Por conta disso, acalorados debates são travados a respeito da comunicação entre os princípios internacionais que consagram a arbitragem e o direito brasileiro.
É nesse contexto que é proposta a emblemática Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 1.050. O Partido União Brasil (UNIÃO) pleiteia perante o Supremo Tribunal Federal diversos posicionamentos significativos a respeito da jurisdição arbitral, mais especificamente sobre os critérios constitucionais do exercício do dever de revelação pelos árbitros.
O dever de revelação é estabelecido no artigo 14 da Lei de Arbitragem, exigindo que uma pessoa, para atuar como árbitra, divulgue aspectos que possam suscitar dúvidas justificáveis sobre sua imparcialidade e independência. Esse mecanismo também está presente em leis internacionais e nos regimentos de cortes arbitrais no exterior.
O Partido argumenta que as partes envolvidas não têm a obrigação de investigar o árbitro, cabendo a este divulgar todas as informações relevantes quando questionado. A dúvida justificável que enseja a revelação compreende qualquer circunstância que, aos olhos das partes, possa comprometer a imparcialidade e independência do potencial árbitro. A não observância desse dever de revelação impediria o árbitro de exercer sua função.
Nesse sentido, requer-se o reconhecimento da falta de independência e parcialidade do árbitro como matéria de ordem pública, podendo ser questionada a qualquer momento e em qualquer grau de jurisdição, inclusive perante o Poder Judiciário.
A deliberação sobre tais tópicos pode ocasionar mudanças relevantes para a comunidade arbitral. Um dos temas mais delicados da arbitragem é o alcance do dever de revelação dos árbitros. O referido dever, por exemplo, é frequentemente contestado no Judiciário por litigantes que buscam a anulação de sentenças arbitrais.
A independência dos árbitros, além disso, tem sido alvo de diversas cobranças, principalmente quando a disputa envolve a Administração Pública e o resultado da demanda não afeta apenas as partes envolvidas, mas também a economia brasileira e setores regulados.
A modulação de parâmetros objetivos para regular o dever de relevar traria para o direito brasileiro critérios que não encontram, de forma ampla, correspondentes em outros países. Eventual decisão do STF sobre a demanda, caso procedente, pode extirpar os efeitos de decisões de instâncias inferiores que contrariam a interpretação que prevalecer ao cabo da Ação.
Dentro da comunidade arbitral, muito se tem debatido a respeito da pertinência ou até da validade de tais pedidos. Enquanto alguns defendem que o objeto da demanda ameaça a essência da arbitragem e causa insegurança jurídica, outros afirmam que há uma necessidade constitucional de critérios mais objetivos.
Questionamentos e divergências se acumulam desde a propositura da Ação. Por óbvio, a agremiação aborta pontos extremamente sensíveis e merecedores de amplo debate. Independentemente da posição na discussão, o fato é: o Supremo Tribunal Federal tem um tema extremamente sensível em mãos que, evidentemente, pode mudar os contornos da arbitragem no Brasil.
Nathália Ottoni
Legal Intern do departamento de Infraestrutura e Regulatório da BCVL – Braz, Coelho, Véras, Lessa e Bueno Advogados.