Aprovada pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro, a LC nº 285 de 1º de setembro de 2025 representa um marco regulamentar primordial ao disciplinar a utilização de Comitês de Prevenção e Solução de Disputas em contratos administrativos firmados pela Administração Pública Direta e Indireta do Município. Em consonância com o que dispõe o PLC de 2024[1], o diploma legal legitima, com plena densidade jurídica, o emprego dessa ferramenta no cenário carioca.
Neste contexto, os dispute boards são compreendidos como mecanismo alternativo de gestão e solução de litígios, instrumentalizado por painel de especialistas desde o início da execução contratual, responsáveis por avaliar questões e incidentes com celeridade técnica e imparcialidade, com vistas à prevenção e resolução eficaz de conflitos, sobretudo em empreendimentos de longa duração.
A norma estabelece, inicialmente, que a natureza do dispute board será definida pelas partes contratantes no instrumento firmado, podendo ser recomendativa, adjudicativa ou híbrida. Na hipótese recomendativa, as sugestões emitidas não vinculam imediatamente as partes, salvo se a parte contrária não manifestar discordância no prazo de 20 (vinte) dias úteis, conferindo, assim, eficácia vinculante à recomendação. No âmbito adjudicativo, a decisão do comitê vincula as partes, cabendo ao dissidente notificar o comitê e a contraparte no mesmo prazo para habilitar a via judicial ou arbitral. O modelo híbrido, por sua vez, agrega características de ambos os regimes.
Importante destacar que o instituto opera em ambiente de eficaz neutralidade: o comitê será composto por três membros, escolhidos em procedimento técnico e transparente, devendo atuar com base nos princípios da imparcialidade, independência, competência e diligência. Ademais, aplica-se aos membros do comitê o rigor das hipóteses de impedimento e suspeição análogas às previstas para julgadores, conforme o Código de Processo Civil.
A adoção institucional de dispute boards se dá a partir de uma tendência jurídica progressista e compartilha base normativa com a Lei Federal nº 14.133/2021 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos)[2], que autoriza expressamente os meios alternativos de resolução de controvérsias, incluindo comitê de resolução de disputas.
Destacam-se, entre os aspectos relevantes introduzidos pela LC nº 285/2025:
- Inclusão expressa do art. 6º-A à Lei Complementar nº 37/1998, passando a autorizar a utilização de dispute boards em licitações e contratos administrativos municipais voltados à delegação de serviços públicos, desde que haja interesse da Administração e observância da Lei Federal nº 14.133/2021;
- Natureza flexível dos comitês, permitindo a constituição de dispute boards permanentes (desde o início da execução contratual) ou ad hoc (apenas em situações pontuais e temporárias), conforme a conveniência do ente público, inovando ao prever expressamente essa dupla modalidade no âmbito municipal;
- Caráter recomendativo, adjudicativo ou híbrido, consolidando a liberdade das partes em definir, no contrato, o grau de vinculação das decisões, algo ainda pouco disciplinado na prática administrativa brasileira;
- Formalização da assistência informal, autorizando os comitês atuarem não apenas emitindo decisões ou recomendações, mas também como facilitadores do diálogo entre as partes, fomentando soluções consensuais e autocompositivas; e
- Efetividade procedimental, conferindo prazos específicos para manifestação de discordância das decisões ou recomendações, o que estimula a celeridade e evita a perpetuação de litígios.
A urgência em se regular o instituto no âmbito municipal encontra respaldo em experiências exitosas de outros entes federativos como São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e Rio Grande do Sul, que supriram lacuna normativa federal ao institucionalizar a ferramenta como paradigma de governança contratual.
Vale assinalar que essa introdução normativa chega em momento oportuno, visto que os dispute boards reduzem a judicialização, preservam a continuidade dos contratos (principalmente os de longa execução) e asseguram decisões tempestivas e fundamentadas, fortalecendo a segurança jurídica e atraindo investimentos.
Percebe-se, portanto, diante do caráter modernizador e estratégico da LC nº 285/2025, um movimento de potencialização do uso de mecanismos técnico-jurídicos sofisticados no ambiente municipal, sendo possível esperar que tais avanços aprimorem a gestão de contratos públicos na tentativa de promover consensualidade, mitigação de riscos e maior eficiência na consecução do interesse público.
1 Projeto de Lei Complementar nº 165/2024, de autoria dos vereadores Pedro Duarte e Carlo Caiado, regulamenta a utilização de Comitês de Prevenção e Solução de Disputas nos contratos administrativos celebrados pela Administração Pública Direta e Indireta do município do Rio de Janeiro.
2 Art. 151. Nas contratações regidas por esta Lei, poderão ser utilizados meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias, notadamente a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem.
Matheus Cardoso
Trainee do departamento de Societário, M&A e Empresarial do BCVL – Braz, Coelho, Veras, Lessa e Bueno Advogados.